segunda-feira, 28 de novembro de 2016

dádiva das alucinações no deserto 
de sal, oceano orgasmático
no mel sem melindre

nove dúvidas domésticas
debaixo do suvaco, prato
de legumes no vapor barato

e nenhum medo de cair do beliche

o poema ensina a cair
também na gargalhada
tuapatia, tuolhod'água
tuafasia, tuonçabraba
o lugar mais estranho
em que fiz sexo?
o planeta terra,
sem dúvidas.
How deep web is your love?
e chegou a noite, bateu a larica
sacola vazia, preciso encher o tanque
coração pede pr'eu forrar a barriga
eu vou ligar pra quem se garante

quero uma pizza punk,
quero uma pizza punk,
quero uma pizza punk,
quero uma pizza punk.
amuleto do poeta é o peito
amianto do poeta é o pranto
a maleta do poeta é a treta

a maloca do peiote é a porta

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Recife, eu tinha pernas miúdas
muito antes dos porres de vinho
nas rodas punk no Antigo
muito antes do trabalho triste
de ligar para delegacias muito antes
de ver a cabeça de pedra de Bandeira
muito antes de atravessar as pontes
de madrugada e voltar para o futuro

Recife era a pequena casa de minha avó
numa travessa ali perto da Aurora
e a vida chegava com suas bagagens do incompreensível
com os garotos que cheiravam cola, com o mendigo
(que se chamava Amigão) quase sempre bêbado

e eu não pensava na morte e me deitava
no colo de epifanias nanicas

olhar por cima do muro um estacionamento
nos ombros do meu tio, receber uma fita k-7 do Pantera
gravada pelo meu primo, reparar no colorido das embalagens dos cigarros
ao ir comprar pão na padaria Aquário, logo ali na esquina

Recife, minha avó mais velhinha e minhas pernas
misturam os caminhos que me trouxeram pra cá
Rua do Sossego, Alegria, Glória, Fundição

Recife, passagem de som e sonho,
tropeção
o poema é um esporte de contato
{a continuar}

poema desentranhado de uma fala de Ian Mackaye

estamos aqui conversando
por quase duas horas

e enquanto conversamos

nas dobras do mundo
criaram poemas
e músicas

suficientes
para nos alimentar

pelo resto de nossas vidas

a new beat from a dead heart

foi depois da chuva

quando caminhei fora da
cabeça em direção à vida


e me tornei contemporâneo
das mais velhas árvores

domingo, 21 de fevereiro de 2016

ainda tenho comigo
rãs escrevendo
na água

agorinha mesmo
eu vi
rãs escrevendo
na água


rãs
não postam no facebook
não sobem vídeo pro youtube
o que escrevem
na água

respiro meus poemas
ao respirar os poemas das rãs
debaixo da água
aqui sozinho sou mais
velho que esta chuva
perdi todos os dentes
da alegria nem lembro
como escrevi as rugas

coberto de terra e cinzas
babando de ódio e preguiça
da humanidade já fui antes
um animal com a cabeça
sem piolhos e pensamentos
ranzinzas
Pernambuco, vasta fazenda
se eu me chamasse João Campos
não seria uma rima, mas teria muita renda

Pernambuco, vasta fazenda
o espírito do coronel já virou lenda
e eu continuo desempregado
levando uma vida de gado


Pernambuco, vasta fazenda
todos os animais são iguais
mas alguns são mais iguais
que os outros, riem os porcos

Pernambuco, vasta fazenda
tem gabinete e covil para um
estudante de engenharia civil
continuar no poder do atraso

Pernambuco, vasta fazenda
já é tempo de incendiar
o ócio do palácio e espalhar
as cinzas pelos campos

Pernambuco, vasta fazenda
mais vasta é a rebelião
e o coice, a foice
do vento

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

camarada cheirou loló vegano
ficou ouvindo as sirenes
da vida crua
se transformarem no chiado
de um espetinho de frango com bacon
hoje pela manhã um mendigo me salvou
com algumas baforadas e brasas
enquanto me dizia que
o gato é uma gota
de tigre

e que não há nada a pedir às deusas

nem desodorante, nem pizza
nem teto, nem saúde, nem dentes
nem viagens de ácido, nem travesseiros
projetados pela Nasa, nem pernas mecânicas
nem pastilhas para refrescar o hálito, nem pão

basta deixar os pés na poeira e fazer
a travessia

como um sabonete despreocupado com seu fim
deixando tudo cheiroso
she called pest control. não faz outra coisa senão ouvir
fIREHOSE - walking the cow no repeat, fumando cannabis
& enfiando o dedo na buceta, imaginando a vida das vacas
indo daqui pra lá, zanzando no campo
como belugas de férias
vestidas com camisas floridas
bebendo caipirinhas
e fodendo leitões nas rodoviárias
e bocas de fumo


as vacas mascando generosos montões de erva verde
comendo poeira e cachaça
não esqueço a carcaça
que arrasta mangas
pela sombra

na ladeira e doidas, as pernas
na alegria e coices, os sonhos

o que é a vida senão um vapor
barato de carnaval, cabelo
branco do recém
nascido
as conversas os amores
com suas delícias
ainda escapam
às tecnologias?
agora mesmo, augusto, é só isto:
a mão que afoga é a mesma que apedreja
dia e noite se encontram no amor? como não alimentar a ansiedade se ela é um bicho que come de tudo, até lixo? talvez encontrando por acaso os cantos órficos de dino campana num shopping, talvez virando fumaça na tarde de mormaço, talvez exercitando as noventa e nove maneiras de ficar em silêncio, talvez costurando no peito as palavras de calma da água. há moedas de dez centavos observando as chuvas, há um rádio de pilha sintonizado numa transmissão de futebol de cegos, há fantasmas balançando na rede. aí batem na porta testemunhas de jeová. é a segunda vez que aparecem este mês e virão novamente. fiz com que a conversa girasse sobre alienígenas, poesia e o planeta terra. eu não sei de muita coisa, mas desconfio que é suficiente tomar cerveja em boa companhia para que o mundo continue rodopiando. e logo dobraremos as esquinas em que um abraço apaga as perguntas. e será carnaval e nossas bocas tocarão asas vivas.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

não conheço poeta
mais talentoso no exercício
de alteridade, invenção
e vida dupla

que oscar maroni

ele coloca um óculos escuro, cata uma bengala
e sai do bahamas hotel club para lamber os pés
de gorilas e garis e açougueiros e dos motoboys
com cicatrizes nos tornozelos e aí ficar fungando
as frieiras, o chulé, mordiscando os bichos de pé
que andarão entre linhas de seus próximos sonetos

velhinho porreta animal com a língua
numa xota numa glande em qualquer cu
encontrando a zona de sombra entre
o que fede e o que é sublime e cheiroso

como glauco mattoso
nada disto estaria
acontecendo se
eu fosse, ao menos hoje,
grigori rasputin ou mc
bin laden

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

hoje li no outdoor de uma empresa
de cerâmicas azulejos e privadas
que o ponto de partida é acreditar

então eu tô
fudido


coração cheio de dúvidas mais pesado
que um lutador de sumô nas férias

estou desempregado numa cidade nova e nenhum
poema abriu uma porta de emprego nem
bateu um prego numa barra de sabão

nenhuma mágoa, a vida é coice no queixo
e eu deixo algumas moedas de sorte
no concurso que farei para coveiro

ou isto ou fazer renda num táxi alugado pela madrugada
ou o sol quente debaixo do qual irei rasgar poemas
e perambular de bicicleta vendendo água

orinoco, nictógrafo

olhando aqui no quarto um documentário
a respeito da vida de jim tully

o jogo de pernas e os diretos junto
com os vagabundos dos vagões
dos pátios ferroviários e dos portos

aos 14 viu sua irmã sendo salva de um afogamento
aos 19 roubava carros e circulava por aí
até acabar a gasolina, escrevia poemas
e contos e os espalhava entre os refrigerantes
e os chocolates dos supermercados enquanto
seus bolsos conheciam queijos e vinhos

acontece que o mais importante
e o que mais me transtorna
é quando falam que ele não sabia de sua força
nem que tinha um coração bondoso

hernán gutierrez (1942-1972)
poeta uruguaio radicado no janga do fim de 1967
até seu desaparecimento no mar, em 1972.
dogen disse: desejo tem mais cabeças
que tiamat em caverna dos dragões

volúpia, vontade
são siamesas

não param de rodar
numa roda punk

todo desejo é inadiável, falou
entre uma chicotada e outra
minha vizinha dominadora
praticante de bondage
"dentro do contexto
sadio, seguro e consensual",
ela acrescentou


incendiar farmácias, cuspir nos próprios pés
a força maluca do inadiável como uma coceira no cu
antes tudo ar
ou mar

antes tudo lar
e deriva

força viva
não se amarra
nem fica
cativa
gosto de dizer poesia
prefiro mijar
temos problemas parecidos, suponho. comemos venenos banidos no resto do mundo. tomamos a justiça aos tapas. & dentro disso está tudo bem, também podemos encontrar raras vezes um espírito que é também pedra que é também rio poluído atravessando a bunda da cidade, um pequeno leopardo de plástico colorido por jovens chineses à procura de grana pra comprar uma casa e passar a vender bolsas & realizar festivais noturnos de dança. temos problemas parecidos, paralíticos. uma dor de cabeça diária, a pressa das pernas de qualquer avenida, a tristeza dos pombos debaixo do sol, nossos ratos dormindo bem debaixo de nossos narizes. esse ska abrindo brechas no crânio cinzento habituado a ferro & fogo, as mães desoladas acossadas por batalhões de olhares estúpidos, o útero da solidão, a lenta migração dos fungos sobre as laranjas esquecidas desde o carnaval debaixo da geladeira, as danças atropeladas por camburões da polícia militar. temos os mesmos problemas. a alegria cronometrada das férias, a horda de canalhas sugando nosso sangue, os gerentes dos supermercados viciados em questionários sobre administração de empresas, os garotos esquisitos que são vistos se arrastando feito carneiros capturados por antigos fazendeiros alienígenas à procura de uma gelada garrafinha de axé. também sabemos que a doença e os coágulos no interior das veias profundas da perna são um problema mítico. problemas parecidos e as mesmas piadas e cantos para criar uma história permanente para alegrias rebeldes. os mesmos sustos & sonhos de quando a escuridão tinha mais braços que o mar e dormíamos em cima das árvores.
a enorme fila de automóveis
que nos acompanha ao cemitério
não alcança teu disco voador, bowie

nenhum cadillac verde coçará teus calcanhares
iggy pop & eu te agradecemos pelas mudas de cannabis
que trouxeste da estrela em que vivem aqueles que poderiam 

ser facilmente confundidos com dragões & paixão pela vida

 aquela noite encontrei os cabelos azulados da noite
aquela noite encontrei os cometas centenários do ventre
aquela noite encontrei os óculos dos passageiros cegos

esplendor y decadencia se alían en una luz encendida
que cubre todos los personajes

tua audição supera, inclusive, tua natureza telepática
teus parentes interestelares mais próximos
escreveram as canções mais delicadas
& muitas profecias antigas & textos espirituais

a geometria sagrada, a poesia cuja pele tem um tom
esverdeado, a vasta cabeleira das cavernas, peixes
de snorkel atravessando a rua, o abraço demorado
em sacos de esterco, a honestidade de andar por aí

a beleza acidental e falha de nossos polegares
a transgressão silenciosa das pernas

estamos doentes, sujos & alegres, ziggy
mas já começamos a ver & ouvir os órgãos
sexuais da nossa imbecilidade absolutamente nua

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

dias e noites molhando a cachola na sarjeta,
pisando em pregos, roubando a comida dos cegos
ao meio dia, encontrando mais carros que amigos
você sabe que a espécie humana continua o massacre

uma dúzia de guindastes estacionados
sobre teus pés, nove milhões de chimpanzés
viciados em barbitúricos, as mandíbulas esmagadas
das florestas, vertebrados engolidos pela sanha sapiens

toda merda e urina das cidades armazenada na pupila
do lixo eletrônico, toneladas de carvão arrancadas
das tripas de minha bisavó, trilhões de cigarros
fumados no sofá do caos & conforto:

ossos, acumulação & desperdício.

e os policiais ainda acham um barato
apertar o gatilho.
podemos chamar de amor a tudo
aquilo (que desaparece
mais rápido do)
que surge
o gari falando comigo sobre poesia
a dançarina de brega falando comigo sobre poesia
lionel messi falando comigo sobre poesia
o vendedor de pipocas falando comigo sobre poesia
o turco perseguido pela yakuza falando comigo sobre poesia
a vencedora do miss bumbum falando comigo sobre poesia
a garota do combate à dengue falando comigo sobre poesia
rui chapéu falando comigo sobre poesia
o astronauta aposentado falando comigo sobre poesia
o palhaço degolado falando comigo sobre poesia
a ventríloqua falando comigo sobre poesia
a mímica falando comigo sobre poesia


pelé calado
ao meu lado

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

a vida não erra um murro nem cansa
de ampliar seu repertório de coices

tua vó obreira da assembleia de deus
com o encosto da síndrome do pânico
teu cachorro com câncer no cu e cego
tua tia cuspindo farofa todo domingo
teu vizinho fã do george israel e do kenny g
tua cidade de esgotos na língua do sol
teu professor pedindo asilo na loja de óculos
tua prima grávida da solidão no vietnã
teu primeiro amor de mãos dadas com a morte
tua cirrose sorrindo às seis horas da noite
teu país nocauteado pelo incêndio e pelo ódio
tua voz presa dentro duma garrafa de coca-cola
teu silêncio deitado na caçamba do lixo hospitalar
tua espécie embriagada de gasolina e diesel
teu futuro mancando à beira do abismo
tua mãe mordida pelos dentes da loucura

azul, (tr)adução de Jorge Teillier


verei novos rostos
verei novos dias
serei esquecido
terei memórias
verei sair o sol quando o sol sair
verei cair a chuva quando chover
andarei sem assunto
de um lado a outro
aborrecerei a meio mundo
contando a mesma história
sentarei a escrever uma carta
que não me interessa enviar
ou a olhar os garotos
nos parquinhos do bairro

sempre chegarei ao mesmo poente
a olhar o mesmo rio
irei ver filmes bestas
abrirei os braços para abraçar o vazio
tomarei vinho se me oferecerem vinho
tomarei água se me oferecerem água
e me enganarei dizendo:
"virão novos rostos
virão novos dias"

---

 para un pueblo fantasma (1978)
colapso nervoso não tem pedagogia
macaco chapado operando guindaste
querendo apenas passar rasteira
passar por cima, derrubar sal
e sangue dos nossos olhos
triturar lentamente cada ossinho
do corpo que somos por aí
quando o poema tem parte com o diabo
quando o poema tem parte com o coisa ruim
quando o poema tem parte com o sete capas
quando o poema tem parte com o bode velho
quando o poema tem parte com o capiroto
quando o poema tem parte com o capeta


deus é o primeiro a pedir
para ler

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

por exemplo, (tr)adução de canção de fernando cabrera

aquelas tardes com o rádio na calçada
aqueles dias com Marina no sol
tenho um punhado de memórias de areia
entre os dedos com areia você se vai


as tardezinhas com violetas e rosas
os limões urubuservando o galpão
estou regando o tempo com tua memória
entre os dedos com água você se vai

em um espelho com rostos velhos
havia um lugar para tuas queixas
em um caderno de capa negra
havia um ar de coisas mortas
O carinha escrevia tantas histórias sobre pó e puta que embarcava nelas, como se mastigasse a carne de quinta da vida. Entre um copo e outro de conhaque, dizia que o importante não era grana, não desejava um jabuti nem parar nas estantes da Biblioteca Nacional. Costumava repetir aos quatro ventos seu sonho fabricado como um poema nas horas de tédio e calor: voar alto num helicóptero com Aécio Neves, bebendo uísque, convidado para contar suas mentiras cheias de esparadrapo numa festinha particular, comemorando a volta de Bruna Surfistinha ao trabalho.
montar móveis
e sair galopando
Alguns gostam de poema,
Outros de pamonha.

Eu gosto dos dois
E de maconha.

David Meza trouxe cerveja

Também nunca vi as pirâmides do Egito. Minha vida sacoleja como um velho cometa pelo céu da boca. Meu pai trabalhava como taxista dia e noite, ganhava pouco. Os pais de meus amigos ganhavam ainda menos. Eu não escrevi um poema fuderoso entre as ruas de Berlim. Os devaneios são as últimas moedas que nos deixaram ou, melhor dizendo, não conseguiram roubar de nossas vísceras. Não me inspirou o canto nenhuma praia perdida e misteriosa. Eu não vi o mundo desde o alto das montanhas do Himalaia, mas vi o mundo desde o poema. Escrevo em companhia dos que atravessaram o rio do sonho para encontrarem-se com a morte, dos que disseram "o pão nosso de cada dia nos dai hoje" e não foram escutados, dos que perambulam pelo mundo com os pés ensanguentados e um par de sapatos nas mãos. Escrevo em companhia deles, que não dormiram nos jardins do Taj Mahal. Escrevo em companhia deles, para os quais o Coliseu segue sendo uma mostra de aflição e crueldade. E agora lhes digo: suas orelhas são mais fascinantes que qualquer templo grego, há mais encanto em um só de seus soluços que em todas as ruas de Paris. Em companhia deles, conservei um pouco da minha vida, e da minha morte, neste poema. Em companhia deles, também digo: também nunca vi as pirâmides do Egito, mas junto de mim os pássaros criaram uma habitação maravilhosa.
vocês nunca sentiram uma dor estranha
um pensamento imenso e mudo
engolindo alma, carne e tudo
que carregam na barriga
(até mesmo a estrela)
sem gerar nenhuma flor no lodo
nem costurar vodu nenhum na vida?