domingo, 30 de setembro de 2007

nublado
como esses dias

o azul do chumbo
esse cinza

meus olhos
caminhando
contra o horizonte

mirando
a origem
da noite

vigiando
lentamente
a manhã

lentos
abertos como os poros.
você sabe de mim
e sobre eu não usar armas.
eu olho a lua e penso
que sou criança, como dizíamos.

eu saio
do controle mas me lembro
de correr olhando para
você. você sabe onde eu me escondo
no céu e nas noites sem choro.

o brilho do sol mostra
quem eu sou. o que eu
sinto e o que eu sei
estão passando
por debaixo da ponte e da porta
que eu abri pra você.

o que ainda está comigo
e que dorme e me lembra
o jeito como você anda.

ela gosta de me ver dormir
sobre o chão de estrelas.

o que está na tempestade.

sonhando que está coberto
pelo segundo perdão.
você pode me ouvir?
peço por favor a segunda graça.
a segunda face. esse longe que eu pude ver
sobre a grama tão distante.

deitado e calmo como uma estrela.
tranquilo como um sol novo.

os retratos em azul espalhados
pela cidade. você abre sua boca
e explica os caminhos difíceis

de voar.
eu não tenho gatos
e sei sorrir
como um garoto
sem os brinquedos antigos
chorei
debaixo do céu noturno
e não esqueci
o teu rosto louco.

eu queimei o inverno
e meu humor.
dispersei tudo sobre o chão.

eu fiquei esperando
um sonho do outro lado do jardim.

mas dispersei tudo
sobre o espelho

e esqueci o azul.
perdi o azul.
as flores
sem data
estão enterradas
no coração

e os filhos.
algo
que ninguém sabe
nem sente

algo
que não se
move

algo
que nega
o céu

algo
que é noturno
e palavra

algo
que seja.
a semente
a vertigem de futuro
a paisagem sem olhos

esse longe.
eu espero que você me ache
antes da chuva. estou vagando
lentamente pelas ruas do teu sonho.

você tem fogo?

joga teu nome sobre os muros
dos novos dias. tu é doce
e o riso que se move. como
eu gosto de ouvir e cheirar tua pele.

o rádio que deixo dormir
dentro de mim.

como esse sol.
a imagem desse sol.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

O sujeito pós-moderno é um sujeito, para dizer o mínimo, descentrado. Seu pensamento é rizomático. Afirmar um "eu" depois das ondas do freudismo, do marxismo e do darwinismo é um interessante desafio ocidental e literário. Ou mesmo existencial. Se tivesse lido Hermann Hesse a pouco tempo, mais especificamente "O Lobo da Estepe", poderia dizer, com um pouco de inclinação oriental, que o "eu", esse "eu" único, centrado, não existe. Ou melhor, não é uno, unívoco; poderia dizer que sou muitos, várias almas no mesmo peito, ou trezentos como pretendeu o poeta. Ou talvez não seja nada disso, seja só um inquieto. Um apenas.

Começar com um parágrafo sobre pós-modernidade, um tanto de sociologia e filosofia e um outro tanto de literatura, ceticismo e contradição diz muito sobre mim. Sou um inquieto. E romântico. Daí a paixão pelo jornalimo. Acredito, como jornalista e como cidadão, que o jornalismo - e a comunicação de maneira mais ampla - é o lugar do conflito, da dúvida, da inquietação, da crítica. Jornalismo é (ou ao menos deve ser) sempre subversão e reflexão, investigação e ceticismo. E, principalmente, o lugar da contradição, onde se desenrolam os jogos de interesse, as argumentações e contra-argumentações. Uma arena ou uma ágora - as faces-irmãs de um mesmo ambiente.

Criar um metatexto diz muito sobre mim. Gostar do movimento dada (ou revivê-lo) também. Gostar da escrita em primeira pessoa, escrever contos, poemas, realizar curtas-metragens, tudo diz muito sobre mim - ou sobre esses diversos no mesmo peito. Tudo diz muito sobre mim, assim como diz muito sobre o jornalismo que crio, que realizo e com o qual dialogo. Acredito que o interessante seja escrever nessas fronteiras, nesses indefinidos: o jornalismo e o cinema, a literatura, a música, a tecnologia, etc. O jornalismo na vida, na vida mesmo, sendo algo orgânico. A comunicação fundamental, fundante. O jornalismo é o lugar do outro.

Ser um jornalista ou se definir como um é procurar a interlocução, a voz do outro e as mediações. A comunicação é dialógica, como pensou e pregou Martin Buber. Isso não diz respeito apenas ao estatuto de nossa profissão, mas às nossas existências. Ou ao menos à minha. A comunicação é dissonância e também harmonia. É o lugar para todos e de todos. Acreditar que o jornalismo também seja o lugar de todos e para todos seria ingênuo ou utópico. E é por isso que a contradição é importante. A ingenuidade está a um passo do ceticismo e a utopia nos embala na mais doce letargia. E o inverso.

Sou um jornalista. E também sou um escritor, um poeta, um videasta, um realizador, em suma. E ainda sou nada disso e o contrário. Guardo no meu peito essas teses, antíteses e sínteses. Como disse Maurice Maeterlinck, começamos a vida por afirmar, depois negamos, para finalmente acolher tudo numa síntese. Como eu penso, o jornalismo (e o jornalista) mistura tudo em sua origem, em sua formação e vivência. O movimento descrito por Maeterlinck, nos jornalistas não sucede em etapas, mas é um "vivendo", um "agora", de sua prática. Buda diria que é o caminho do meio. E poderíamos dizer também dos extremos (como o santo e o libertino). Sou um jornalista. Esse é o meu caminho do meio. Sou um jornalista. Esse é o meu extremo.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

riscar meu peito, o medo
esse gato sem olhos
o azul dessa hora
o silêncio confortável
e as ruas as ruas as ruas

riscar meu peito, a dor
essa planta estranha
o fogo das esquinas
o ruído sem plumas
e os pés os pés os pés

riscar meu peito, a estrada
essa vértebra doce
o depois da noite
o horizonte de foices
e as bocas as bocas as bocas

riscar meu peito, o diamante
o espelho atrasado
o relógio sem alma
e os rostos sérios, sérios

domingo, 23 de setembro de 2007

talvez eu corte o cabelo
ou viaje pro mississipi
talvez eu quebre o espelho
ou acorde com uma gripe

talvez eu veja você
ou fuja do meu país
talvez eu ligue a tv
ou finja que sou feliz

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

porque
trago no peito
uma moça que dorme
com as canções de janeiro

e essa incrível dor.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

um bilhete de literatura e vida

(...) por algum silêncio e um punhado de equívocos, escrevo. gosto de escrever. e gosto de escrever sobre quem gosto. por isso te fiz três poemas. e por isso escrevo agora. por literatura e por vida. é algo como um bilhete, só que maior, com mais palavras. mas mantém esse ar do bilhete, esse algo informal, de certa proximidade entre os dois extremos, quem escreve e quem lê. eu e tu.

um bilhete. pra dizer: gosto de tu. tenho afeto e afeição. gosto. e me repito dizendo isso. só mudo o suporte. mas acho que é preciso dizer isso. gosto de tu. muito. me sinto bem contigo. e vejo que somos (eu acho) diferentes. raros. você é rara. e também uma barra, como diz. e isso é parte de tua beleza. gosto de teu cheiro e das pequenas mitologias que criamos, como um anel pirata esquizo, poemas, cheiros e quetais. te acho linda, e tu sabe. gosto de tu e gosto de estar contigo.

eu não entendo intimidade como contrário de liberdade. acho que tudo está no afeto. nesse "ser bom/fazer bem/gostar". tu diz que gosta disso da não-cobrança. de eu ser diferente. e eu acho que é isso, sabe. ser diferente. viver afetos sem dor. e é isso que sempre tento deixar claro. mas as pessoas são lindos problemas. e abismos.

por isso este bilhete. e um punhado de equívocos.

quando falei contigo, era com esse intento. e por gostar de estar contigo e querer estar contigo. e escrevo agora com o mesmo sentido. e diante dos equívocos que a linguagem fundou. não sei como você entendeu o que disse. é complicado ler silêncios. tudo que é entredois já é tão complicado. por isso tento evitar os ruídos, o que prejudica o entendimento, a não-permanência da incompreesão mútua. por isso tento estar claro para que não deixe de ser por alguma razão desconhecida, por um silêncio, por um mal-entendido, ruídos, essa eterna "incompreesão mútua" entre as pessoas. principalmente debaixo do afeto.

por isso o poema e a conversa. porque não queria deixar de estar contigo por alguma coisa não-dita, alguma falta de entendimento. com a distância, pensei que o que incomodava você era certo "ar de compromisso", ou seriedade em mim. e não era. nem é. mas também é errado imaginar que isso exclua a existência desse afeto, desse "eu-me-sentir-bem-contigo". pois há. e tu sabe disso, eu acho.

tenho medo de incompreensões. não entendi bem, por exemplo, você não ter me beijado da última vez que nos vimos. foi estranho isso (eu que comecei achando estranho, por não costumar viver esse hábito, mas que me habituei e gostava de me cumprimentar assim contigo, mesmo que o gesto pudesse ser visto como algum compromisso. mas isso não seria um problema e não via incomodos nisso. pois sabíamos de nós. era um gesto de afeto. pessoas que se gostam) justamente pelo fato de ter vindo temporalmente depois da conversa. pra mim foi como uma resposta silenciosa e triste. mas uma resposta ambígua também. não sei. não entendi o que você entendeu. nem o que sente. daí esse bilhete ter uma outra coisa.

outra coisa desse bilhete. tua voz. se existe uma cobrança possível, é esta: querer ouvir tua voz e tu dizer tuas teorias. o que tu pensa sobre isso. sobre esse "a gente/nós" que houve. poucas vezes tu falou. está perdido em minha memória o dia que tu falou. que disse algumas poucas impressões sobre mim e sobre estarmos ficando juntos. tu tem histórias pra os outros. e essas histórias eu nem ouvi, por mais banais ou corriqueiras que fossem. queria te ouvir.

esse é um desejo lúcido. e que espero não seja tomado como cobrança ou qualquer coisa mais grotesca. é unicamente porque gosto de você e por alguns instantes acho que você também. eu me sinto bem contigo e não queria perder isso por alguma coisa que já citei, algum tipo de distância sem razão.

tem um verso de bandeira assim: "a vida que poderia ter sido e que não foi". é de uma tristeza sem-fim pra mim. e é muito forte, pavoroso. guardadas as proporções, é assim em todos os nossos atos e com todos os nossos sonhos e desejos. é assim com nosso afeto. não queria imaginar um sefosseassim se posso ter um invetamosassim, éisso, criamosevivemosessesmomentos, temosissoagora.

eu gosto de tu, barra. te estimo, à vera.

e por isso,

os poemas
os encontros
o bilhete
o que foi. e que pode ser. ainda ser. ou ainda é. ou será.

esse nósgostamoseestamos
que não sei como vai (ou se já não "foi").

por isso o bilhete. por isso querer te ouvir.
esse é um desejo sincero. sem jogo. nem medo. nem do ridículo.
pois te estimo. gosto de tu.

mas também imagino como eco um longo silêncio. ou não.
espero compreensão. estar contigo. como estivemos. mas nem sei.

gosto de tu. essa é minha teoria. e isso não tem nada a ver com supressão da liberdade ou algo assim nem também com algo como tantofaz. você é um açúcar - e isso quer sempre dizer algo bom em meus poemas. é isso. para fugir de toda possibilidade de incompreensão. mesmo correndo na beira do insano. ou do assustador. e possa ser lido e colocado no lugar do riso.

como escrevo por vezes, tu diz. me diz. dessa loucura.

esse bilhete.
a gente.

umbeijo.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

eu fui por aí com os tornozelos torcidos e olhei as coisas do
outro lado.

escrevi sobre esse outrolado. eu vi você faminta e especialmente sombria.

eu conheço o caminho e minhas pernas me levam
para debaixo da mesa e do sonho.

embaixo do sol eu reconheço o rosto do horizonte e a fome
dos olhos pelas cenas

repetidas. uma grande agonia para os pés que caminham
na lua. e ouvem a música

antiga do amor e do afeto. esse território sem pegadas e livre
de toda linguagem

corrompida. esse lago sem mapa. o açúcar das eras e a margem
do espírito.