terça-feira, 22 de dezembro de 2015

a vida não erra um murro nem cansa
de ampliar seu repertório de coices

tua vó obreira da assembleia de deus
com o encosto da síndrome do pânico
teu cachorro com câncer no cu e cego
tua tia cuspindo farofa todo domingo
teu vizinho fã do george israel e do kenny g
tua cidade de esgotos na língua do sol
teu professor pedindo asilo na loja de óculos
tua prima grávida da solidão no vietnã
teu primeiro amor de mãos dadas com a morte
tua cirrose sorrindo às seis horas da noite
teu país nocauteado pelo incêndio e pelo ódio
tua voz presa dentro duma garrafa de coca-cola
teu silêncio deitado na caçamba do lixo hospitalar
tua espécie embriagada de gasolina e diesel
teu futuro mancando à beira do abismo
tua mãe mordida pelos dentes da loucura

azul, (tr)adução de Jorge Teillier


verei novos rostos
verei novos dias
serei esquecido
terei memórias
verei sair o sol quando o sol sair
verei cair a chuva quando chover
andarei sem assunto
de um lado a outro
aborrecerei a meio mundo
contando a mesma história
sentarei a escrever uma carta
que não me interessa enviar
ou a olhar os garotos
nos parquinhos do bairro

sempre chegarei ao mesmo poente
a olhar o mesmo rio
irei ver filmes bestas
abrirei os braços para abraçar o vazio
tomarei vinho se me oferecerem vinho
tomarei água se me oferecerem água
e me enganarei dizendo:
"virão novos rostos
virão novos dias"

---

 para un pueblo fantasma (1978)
colapso nervoso não tem pedagogia
macaco chapado operando guindaste
querendo apenas passar rasteira
passar por cima, derrubar sal
e sangue dos nossos olhos
triturar lentamente cada ossinho
do corpo que somos por aí
quando o poema tem parte com o diabo
quando o poema tem parte com o coisa ruim
quando o poema tem parte com o sete capas
quando o poema tem parte com o bode velho
quando o poema tem parte com o capiroto
quando o poema tem parte com o capeta


deus é o primeiro a pedir
para ler

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

por exemplo, (tr)adução de canção de fernando cabrera

aquelas tardes com o rádio na calçada
aqueles dias com Marina no sol
tenho um punhado de memórias de areia
entre os dedos com areia você se vai


as tardezinhas com violetas e rosas
os limões urubuservando o galpão
estou regando o tempo com tua memória
entre os dedos com água você se vai

em um espelho com rostos velhos
havia um lugar para tuas queixas
em um caderno de capa negra
havia um ar de coisas mortas
O carinha escrevia tantas histórias sobre pó e puta que embarcava nelas, como se mastigasse a carne de quinta da vida. Entre um copo e outro de conhaque, dizia que o importante não era grana, não desejava um jabuti nem parar nas estantes da Biblioteca Nacional. Costumava repetir aos quatro ventos seu sonho fabricado como um poema nas horas de tédio e calor: voar alto num helicóptero com Aécio Neves, bebendo uísque, convidado para contar suas mentiras cheias de esparadrapo numa festinha particular, comemorando a volta de Bruna Surfistinha ao trabalho.
montar móveis
e sair galopando
Alguns gostam de poema,
Outros de pamonha.

Eu gosto dos dois
E de maconha.

David Meza trouxe cerveja

Também nunca vi as pirâmides do Egito. Minha vida sacoleja como um velho cometa pelo céu da boca. Meu pai trabalhava como taxista dia e noite, ganhava pouco. Os pais de meus amigos ganhavam ainda menos. Eu não escrevi um poema fuderoso entre as ruas de Berlim. Os devaneios são as últimas moedas que nos deixaram ou, melhor dizendo, não conseguiram roubar de nossas vísceras. Não me inspirou o canto nenhuma praia perdida e misteriosa. Eu não vi o mundo desde o alto das montanhas do Himalaia, mas vi o mundo desde o poema. Escrevo em companhia dos que atravessaram o rio do sonho para encontrarem-se com a morte, dos que disseram "o pão nosso de cada dia nos dai hoje" e não foram escutados, dos que perambulam pelo mundo com os pés ensanguentados e um par de sapatos nas mãos. Escrevo em companhia deles, que não dormiram nos jardins do Taj Mahal. Escrevo em companhia deles, para os quais o Coliseu segue sendo uma mostra de aflição e crueldade. E agora lhes digo: suas orelhas são mais fascinantes que qualquer templo grego, há mais encanto em um só de seus soluços que em todas as ruas de Paris. Em companhia deles, conservei um pouco da minha vida, e da minha morte, neste poema. Em companhia deles, também digo: também nunca vi as pirâmides do Egito, mas junto de mim os pássaros criaram uma habitação maravilhosa.
vocês nunca sentiram uma dor estranha
um pensamento imenso e mudo
engolindo alma, carne e tudo
que carregam na barriga
(até mesmo a estrela)
sem gerar nenhuma flor no lodo
nem costurar vodu nenhum na vida?

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O que anotamos com as mãos
em caderninhos pessoais
é um pouco do que escapa
do grande olho.

A diminuta vida íntima,
a que nos rodeia
tão próxima que tocamos,
cheiramos, a que nos abraça.

Últimos restos de nossa vida
antes das máquinas.
vocês nunca sentiram uma dor estranha
um pensamento imenso e mudo
engolindo alma, carne e tudo
que carregam na barriga
(até mesmo a estrela)
sem gerar nenhuma flor no lodo
nem costurar vodu nenhum na vida?

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

(tr)adução

ação dos músculos adutores
derivar as águas de um lado
para o outro

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

esse aí não diz coisa com coisa e vive
de mãos dadas com o silêncio dizendo
que o vento está visivelmente cansado

esse aí não diz coisa com coisa e uiva
e canta e dança e dá um nó na pança
depois joga xadrez sozinho na sarjeta

esse aí não diz coisa com coisa e vaza
entre carros, motos e corujas de plástico
antes que a polícia pule no seu pescoço

esse aí não diz coisa com coisa e vigia
os pombos comendo pipoca no asfalto
e os ratos lhe trazem um pouco de queijo

esse aí não diz coisa com coisa e visita
todas as árvores que restam na cidade
e carrega muitas folhas debaixo da língua

esse aí não diz coisa com coisa e vai
feito um vulto que valsa nas praças
no meio dos que não estão descalços

esse aí não diz coisa com coisa e vê
formigas de ferro bem no cocuruto
dos que se apressam e passam

esse aí não diz coisa com coisa e vadio
trabalha na alucinação das carnes
e consegue ser feliz ao meio-dia
charles manson telefona todos os meses
para me dizer que o ar é deus e fumaça
é tudo que irriga os ossos do crânio

é triste que donas de casa tomem valium
e desconheçam os benefícios do lsd
contra a depressão e o tédio, fantasmas

procurando vídeos pornôs nas pupilas
de uma testemunha de jeová, fantasmas

procriando no abismo da pele, fantasmas
sampleando a tristeza de guaxinins
enfiados em gaiolas e expostos nas pontes
das cidades sufocadas no alumínio publicitário

um açougueiro dormindo em cima de uma tartaruga
ninho de parasitas no peito da promessa militar

sou um criminoso tirando cochilo, diz
sou um cafetão incompetente, diz
sou um obtuso ladrão de carros, diz

um gatuno de mão pesada que só busca
algo para fumar, uma guitarra

um bom lugar para cagar e vinagre
de maçã para os fungos nos pés
letargia, lenta argila na goela
um gorila na orelha, caco de telha
tudo que ela encontra, escombro

sombra-sirene, sereia séria
ao escarificar toda proeza
uma prosa-prozac
kojak chorando em cima da mesa

gyodai comendo goiaba
enquanto espera os papéis
na varanda da alfândega
da guiana francesa

e o conde do brega
assando um bagre
na brasa e alegre
coçando a barriga

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

ah, saudade punk que eu tenho
de ficar jogando videogame
num velho super nintendo
olho no vidro de cada frame

ou então depois de passar
na padaria ir para o playtime
colocar o troco do pão
em cada máquina arcade

pobre de mim, pobre de mim
que já não carrego vacas
com o earthworm jim

os emuladores já não trazem mais
a infância dos golpes e saltos
os sustos e os sopapos dos macacos
e das minhocas, nem as horas mortas
para as quais não há continue, isso foi

e eu já fui

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

o universo em expansão em cada
pequenino grão de mostarda
e tantas dores e delírios
ardendo feito vinagre
derramado na carne aberta
de todos os seres e pedras


e eu aqui todo besta e alegre
com febre e imitando
o sotaque de adoniran repetindo
infinitas vezes, aracy balabanian
aracy balabanian, aracy balabanian
caminho-carniça, ninho de ratos
nos pratos sujos do peito

você disse a morte anda descalça
você disse o morto anda de skate

uma noite de barbitúricos
& sinucas em massachusetts

três copos de rum, uma garrafa
de rum & as vozes de seda

do absinto, o absurdo doméstico
dentro do estômago dos dromedários

qualquer língua sobre veludo verde,
martelo & prego

as piadas do sangue seco no chão,
o sol-vidro-moído das manhãs

aqueles litros de café na casa de praia do osama
bin laden junto com adam sandler
um pedacinho de silêncio
oração ao deus dos exemplares
que vendi, de modo que não
dor das loterias. arrume um mergulho,
sinta orgulho de nadar e de todos os lugares
o que penso en el cine o en la relación amorosa del viento
y las guías de viaje que hojeas con barrigas preñadas de muerte.

la esperanza de ter escrito e poeta do trem.

Uma vez foi definido que a poesia da nossa sociedade
é pensamento é denso espessa nuvem de incenso
povoando a chance dos cemitérios cujas árvores
implantam filamentos verdes desalinhados reis
celebram a púrpura e comandam trompetistas auricolores
até a baleia pede mais beleza, mais beleza.
bom senso, bonsai
não há chá e incenso
enquanto bebe suco
de uma multinacional
como dizer a tartaruga pelo ferro velho
rinocerontes bêbados de vinho tinto
exclamou o outro

 - estudou muito sobre o balanço das árvores

pablo e exercícios telepáticos
sons dos pés de nossos hábitos diurnos
a flor convertida pela senhora vida
com seu capricho
thomas more ouvia faith no more
& você nunca foi a maranguape
quando nanico me assustei
com um vesgo vendedor
de picolés e até hoje
peço desculpas


jamais perdi as bolas de gude
que jogava naquele dia

assim como não perdi a fome
de me embrenhar no breu

hoje consigo encontrar pássaros
verdes no meio das folhas verdes
verões na memória cheia de água

as lágrimas são amigas deitadas
em colheres repletas de wasabi
& o vento nos traz vozes de alcatraz
onde garis dormem nas madrugadas
ractopamina
para engordar
espíritos de porcos
pau de arara de selfie
chacrinha & sua buzina
me contaram: na esquina
tem duas casas de chá
& os poetas bebem
erva doce, capim santo
& ouvem o canto
de um abutre colorido
enquanto no porão cozinham
o gemido, o urro, o berro & um caldo
misturado de lama, anis & estricnina
para fixar na carne um arame, um aroma
azedo & deitar na calçada um corpo em coma
depois de mais uma sessão de fotografias
aquele misto de euforia & eutanásia
dirigir nu até acabar a gasolina
numa carona para texugos cegos
eu faria um forró no pátio da nasa
uma casa no olho fundo da turmalina
Big Kahuna trouxe um chapéu de pregos

acendi um cigarro para slavka, vodka
eu derrubei em cima da cama, comi
uma panqueca de caco de vidro
esqueci o nome do vento
uma anta no bolso do esquimó
florestas de eucalipto na língua do eunuco
sequelas & sequoias penduradas no pescoço
pés descalços no aço frio do chão de outro UFO

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

êta vida estranha a morte
aparece e te pergunta:

você quer um pijama de seda,
café quente, torradas, um cacho de uvas?

você quer um pijama de seda?
o senhor é meu popstar
e naldo me salvará
da depressão

autoestima,
autoestima


uma cisma
uma cama
um coma
um colchão

carisma ou arranjo de fenômeno repaginado

coragem sem fundo, sonhei você de bobeira
como folha depois a alegria, saudade, coração
fica maluco, outra vez vou te buscar, beber até o dia
clarear, eu tô aqui e hoje tinha sacanagem
esqueço dos meus problemas, desse jeito é perigoso,
só chego de manhã, o vento leva passando de fininho,
o baile de repente chega, bebi tequila, bebi tequila.
longe mas sonha, esse papo ter de volta minha cabeça,
barriga cheia, sem chão
outra pessoa deu um fora, a festa começa
só amanhã.

domingo, 5 de julho de 2015

falar é uma deliciosa loucura
e a comida começa
no pensamento

 o som que enche a palavra
vento é o próprio vento
espírito


o sopro cria acontecimentos, carne
divina & dançante na sabedoria
espontânea do corpo mamífero

e não há tristeza caolha filha do coice
da mente que derrame cianureto suficiente
para calar o batismo do batuque dos ossos
e subi no ônibus e sentei do lado de uma senhora ruiva, uns 60 anos. sem tempo nem de guardar as moedas do troco no bolso, ela disparou pra mim:

 - político é tudo ladrão! e essa dilma é a pior. no meu tempo as ruas eram seguras e nossa dinheiro valia muito mais. o governo agora fica com tudo que produzimos. é imposto em cima de imposto e grrr e argh e blá e uuuuuuu ...

e foi metralhando seu texto até que disse:

- ninguém aguenta mais tanto tributo!

meio tonto, só consegui dizer:

- porra, bote fé! eu mesmo só gosto do tributo ao black sabbath!

e gargalhei feito doido, me levantei, aproveitei que alguém havia pedido parada, desci. fora do ônibus pude notar a senhora lançando seu olhar "é o fim dos tempos" pra mim, que continuava gargalhando com a própria piada ruim.
você descascando limão debaixo do sorriso da lua,
o aprendizado contínuo da lentidão, a barriga imensa
das noites tristes, um pedaço de fígado pendurado
nos dentes de vidro da estátua verde do big kahuna

 você acenando para discos voadores, aparando a barba
da mansidão banguela, a voz do ventríloquo pedindo
um pouco de tequila, duas clavículas encharcadas
de lágrimas e milagres, o sol velhinho na hidroginástica

você mascando tabaco, macerando as folhas de manjericão,
o encontro dos sapatos com as tartarugas num jogo de pôquer,
as dúvidas tirando um cochilo na calçada, pernas batendo papo
com o vento feiticeiro e meus ossos repetindo o mantra:

wakin in the dawn of day, don't know why i ever go away.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

poema de chico xavier


pois eu estava mergulhada
no estômago de animais
que nos mastigaram

bocas sujas, planeta azul
das trevas, as dúvidas, espíritos
rebeldes, filmes de horror que assisti.

memória, labirinto hipnótico.
memória, minotauro-tuareg.
memória, lábia do olho cego.

insetos e anfíbios: tudo fica
registrado num diário, num delírio.

milhares de outros seres
despertos com música, sementes
depositadas na roda-gigante.

lesões, comunidade.
___________________________
- texto escrito a partir de arranjos
da suposta carta psicografada de cássia eller
ouro dentro da escuridão
se a gente morre por aqui
não encontrarão nem a alma

as palavras perdem seu peso
na figura do aviador


e a bicicleta ultrapassa
o milagre, vacas diminutas
de olhares sonolentos

e foi só por isso que vieram matar
e foi só por isso que disseram no meio do mato

se algo estiver escondido lá na sujeira do coração
e você o desenterrar, é seu também, é você.
deita aqui na lama
comigo, teu nome
não me cansa, pés
quase sempre pensam
mais que a cabeça
e merecem cafunés


 deita aqui na lama
está um dia tão bonito:
um jambo, sombra e sapo
e eu já nem sei do grito
para anjos e ar-condicionado

deita aqui na lama, cristo
não é um cachimbo
estamos definitivamente
dentro da deriva, o amor
é nu e multiplica a alegria
incontrolável do encontro

we're only for the honey, mel
do melhor, estamos nesta
pela conversa, não conversão
caos-pizzaria, você disse alimentando
os peixes que se multiplicavam
debaixo das barbas das profetas
indianas fãs de heavy metal & loucas
por noites de apneia & levitação
eu cuidava de fazer vitaminas
de abacates para cobrir a ferrugem
da coleção de alicates de vovô & derramar
doses cavalares de conhaque nos cactos,
nos cascos dos jabutis, nas costas
de nossa irmã anã massoterapeuta
vovó descascava manga com sua katana
iluminada pelo lado escuro da lua & nua
cuspia pregos nos sapatos coloridos
& enormes de seu amante cego

sexta-feira, 8 de maio de 2015

e então eles
dizem quando um ser
humano coça
a cabeça: está
pensando. eles dizem
quando outro animal
coça a cabeça: tem pulgas.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

tom zé do caixão

você, vocêê, todos vocêêês,
filhos da máquina, na entranha
gasolina e outras almas roubadas
na meia-noite de uma multinacional

jorge de lima da pérsia

a lua vem da ásia, gigante
panfletário do caos e você
me traz carregamentos de
laranjas sanguíneas. a sede
começa no cheiro da casca
que se espalha e impregna
meus dias, meus dedos e
a cachaça, minha carcaça.
o sol pesando nos ombros e eu já tinha tomado uns quatro copos de cerveja que murilo trouxe, uma cerva artesanal chamada "samurai cego". falei pra ele que a primeira coisa que me vinha a mente com esse lance de samurai era que eu não passava dois minutos jogando samurai shodown no playtime aqui perto de casa que aparecia um prego qualquer pra colocar contra e me tirar da máquina, com algumas malícias de galford, hanzo ou haohmaru. eu não sabia jogar muita coisa com nenhum deles e gostava do naipe do kyoshiro - lembrando dessa conversa dias depois eu notei pela primeira vez que o kyoshiro é um ator de kabuki. daí eu partia pra o arcade de real bout fatal fury e lá ninguém me incomodava, quem colocava contra zarpava por conta do taekwondo que aprendi com kim kaphwan. murilo, cortando a lombra, disse que está tudo integrado: o gari japonês que vive com uma real doll é primo da menina que se fantasia de sereia no interior de minas gerais. Eu ri com a associação. a memória é sempre uma chuva inesperada, tudo é pólvora e fogo, gatilho. murilo perguntou se eu já tinha lido proust. eu disse que não tinha lido nem o prost e não gostava do joguinho de super nitendo do nigel mansell. a idiotice é uma fruta muito doce. proust é um cara que escreveu sobre como o biscoito treloso nos faz lembrar os dias de surf em 1990, disparou murilo. fiquei sem saber o que responder e nessa hora caíram duas mangas no quintal, foi jah. comendo as mangas, acho que entendi a ideia do biscoito treloso. lembrei que dia desses tava tocando just like the wind, do tony garcia, na carrocinha do tio que vende caldo de cana e pão doce aqui na esquina. de repente, sem mais nem menos, eu era novamente um pirralho dançando como um robô desajeitado nas noites de rádio na varanda do térreo do prédio de alessandro pacovan, a rua logo ali. daí bateu saudade de entrar na fila da merenda da escola várias vezes, torcendo o rosto pra um lado e outro, pra baixo, mancando e feito o seu boneco "dis costa" para catar uns quatro ou cinco saquinhos de cilpinho de chocolate com pão doce.

sábado, 11 de abril de 2015

dizemos água e continuamos
com sede, o banho de chuva
ácida não lava nossa alma
mas expõe todos os ossos

 há um enigma cabisbaixo
surfando em nossas lágrimas
há um milagre moribundo
impregnando nosso suor

nossas salivas não salvam
os oceanos de merda e plástico
tartarugas morrem todos os dias
sufocadas no horror de nosso sangue

não há líquido amniótico suficiente
para proteger os nascimentos dos rios
e não adianta andar sobre as águas
ou então transformá-las em vinho

enquanto não renovamos a seiva
de nossa medula mergulhando
plenamente na lama e no lodo, diluindo
nosso egos nas águas subterrâneas

dizemos água e continuamos
uns animais cheios de esquiva
esquecendo nossa origem aquática
e uma ética molhada para estes dias
o menino jesus queria
ser bombeiro, disse
terezinha maria de jesus,
mãe do menino jesus.

foi baleado na porta de casa,
o menino eduardo de jesus ferreira,
lá no complexo do alemão.

foi a polícia: "houve um confronto
e um menor foi baleado".

fomos nós mesmos que crucificamos o menino jesus
bem antes dos trinta e três anos.

na tv, segue o feriadão da semana santa.
uns comem peixe, outros tomam cerveja.

e o menino jesus não voltará como bombeiro
para nos salvar deste incêndio.
quanto a isto, não há segredos:
meus dedos massageiam
teus pés e existem cafunés
para todos os tipos de cabelos.
e você sabe que
não há nada
que me acalma
mais que lamber
o chá de camomila
que derramo sobre
teus doces mamilos.

segunda-feira, 23 de março de 2015

vamos embora para bogotá
lá sou amigo dos três
garis que descansam
corpo e alma no balanço
ao contrário de vocês.
eu sou o gozo no osso
do teto da tua
boca
ele não tem dúvidas de que é o maior poeta brasileiro vivo. mas anda mesmo é com a cabeça nas enterradas do kobe bryant e quase chora quando as luzes da quadra de basquete de rua do interior de buenos aires, no interior de pernambuco, estão acesas à noite. isto acontece uma vez ao mês. o pai trabalha na feira da cidade, a mãe faz artesanato que um gringo atravessador compra barato e vende caro em berlim. dois metros e vinte centímetros. ele não duvida que é o maior poeta brasileiro vivo. e vive lembrando que poesia não salva ninguém, anda sempre de barro. e não desenrola nem uma bola, nem as luzes acesas durante o mês. mas ele continua escrevendo e tentando arremessos de três e ménage à trois.
verde é a cor do mofo e da corrupção.
deslizamos suavemente sobre
a superfície das águas
sem saber

que os motores do barco
irão parar de repente
e ficaremos
à deriva

por pouco tempo, é verdade.
peste, guerra, fome e morte
são cavalos rápidos

e estamos espalhando nosso necrochorume
pelos lençóis freáticos.

freaks fanáticos, aprendemos a gozar
entre os gases do efeito estufa
e os vapores do asfalto.

osso contra osso, ácido.

os mortos enterram os mortos
e as baratas e os javalis não sentirão nossa falta.

já não há fantasmas no sofá,
e do vinho não sobrou nem os copos
e eu não ouço mais minha vó cantar:

o planeta é uma planta y no plata.
afinal de contas, ser feliz pra quê? ela perguntou como quem atira um vaso chinês da dinastia ming contra a parede. eu olhava cada caquinho de porcelana, com suas pequenas flores azuis desfiguradas. a vida é o que é, um pouco de vento alivia a tristeza das samambaias, um pouco de água sempre é suficiente para fazer o filhote de leopardo que guardo no peito abrir um sorriso. as pequenas flores azuis, os caquinhos, começaram a se juntar quando uma ambulância passou na avenida rasgando o horizonte para socorrer corações atropelados. esqueci de dizer, estávamos pelados. as palavras caem no chão feito frutas. às vezes é possível encontrar uma manga madura no chão, sem grandes hematomas. mas na maior parte do tempo chegamos atrasados e as palavras apodrecem. frases ditas perto da caixa toráxica pesam mais que a respiração dos rinocerontes. em tudo que disse, ela permaneceu de olhos fechados. lindos olhos verdes dormindo debaixo das pálpebras do sonambulismo. como um geógrafo cego, tateei o dorso dela, as pernas, os poemas das omoplatas, as canções das orelhas e a tranquilidade dos dedos mindinhos dos pés. a imagem da felicidade é um guarda-chuva que esquecemos no ônibus que nos levou para longe de nós mesmos. ela abriu os olhos. eu já não precisava descobrir a tradução do termo sânscrito santosha. cometeremos erros melhores amanhã, eu disse.
um dia freak
um bom lugar pra tomar cerveja
e o pensamento lá em suncê
sem suncê nenhum auê
um dia resiste
toda fragilidade inside
e o pensamento lá em suncê
e tudo me convide
a poesia segue fluindo
numa velocidade animal
e o poema, aquele esquema,
pedra que levita no meio do rio.

 o tempo do poema é tartaruga
de cabeça para baixo.

este poema, por exemplo.
o tempo de vocês chegarem
nesta linha foi suficiente
para que eu tomasse
nove caipirinhas.
circe me disse:

tranquilo, nego.
cabeça de gelo.

fique frio,
fique freak.
o oceano é uma
cama larga: esta
canção é sobre
sangue sobre
tempo também

 nossos corpos
à deriva

vinho e cerveja,
estamos mortos
e jamais morreremos

os ossos dos nossos
dedos batucam a pele
das águas no ritmo
destas gotas de chuva

uma delícia, este vinho
uma delícia, esta cerveja

nossos corpos
à deriva

tiamat nos festeja

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

o tigre e william blake o golfinho
e dora ferreira da silva o urubu
e augusto dos anjos o corvo
e edgar allan poe o albatroz
e charles baudelaire a barata
e clarice lispector a lesma
e manoel de barros a abelha
e alice ruiz o sapo
e manuel bandeira o sapo liu-liu
e hilda hilst a rã
e matsuo bashô o cão
e alberto da cunha melo o cão
e joão cabral de melo neto o peixe
e adília lopes o cisne
e william butler yeats o pássaro
e alejandra pizarnik o pássaro
e charles bukowski o jaguar
e roberto piva o lobo
e virginia woolf o escorpião
e bruna surfistinha o puma
e hannah höch o urso
e cassiano ricardo o urso
e diane di prima o unicórnio
e audre lorde o leão
e michael mcclure o leão
e björk o gato
e maya deren o cavalo
e patti smith
o oceano é uma
cama larga: esta
canção é sobre
sangue sobre
tempo também

 nossos corpos
à deriva

vinho e cerveja,
estamos mortos
e jamais morreremos

os ossos dos nossos
dedos batucam a pele
das águas no ritmo
destas gotas de chuva

uma delícia, este vinho
uma delícia, esta cerveja

nossos corpos
à deriva

tiamat nos festeja

nos bolsos furados da nossa memória:

as pernas quebradas, um velhinho jogando
pôquer com os pombos, um pedaço de chão
coberto de lodo onde enfiamos nosso narizes
para fugir do cheiro do barulho dos prédios,
moscas sobrevoando a paz dos pratos sujos,
livros de receitas da avó de eddie vedder,
bagas, litros de suco de pitanga com pastel,
plantas carnívoras, carcaças de canários,
gols feitos durante a fuga das aulas de língua
portuguesa, noites de vinho & vômito, visões
de naves alienígenas transformadas em bolhas
de sabão, sabedoria da velhinha que vendia
amendoins e deliciosos caldinhos de sururu,
o peixe-beta que morreu na frente do espelho,
as bolas de gude roubadas e perdidas, mangas
com sal nos terrenos baldios, deus e sua solidão.

quando dentro
da gruta, o canto.

 quando dentro
da fruta, espanto.

quando dentro
da luta, o cancro.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

você recebe o poema pelas pernas
e então corre feito uma criança
picada por vespas amarelas

 você recebe o poema pelas unhas
e então descasca as camadas
antigas de tinta sobre as pupilas


você recebe o poema pelas pálpebras,
pelas nádegas, pelas sobrancelhas,
pelas narinas, pelas virilhas, medula

você recebe o poema pela testa,
mandíbulas, o poema fura tuas bochechas,
faz tremer as tuas coxas (como numa foda)

você recebe o poema e ele quebra tuas costelas
e coloca na tua garganta as vozes das capivaras
que não escaparam de nossa sede de sangue & carne

você recebe o poema: purple haze, bike, avatar:
o poema abre tua boca, o poema deita em tua língua.
e disse jesus:

é preciso ter o caos
dentro de si.

é preciso ter caô.

impreciso é o coice
se estamos todos
dentro do sim, do cio
docinho que tudo envolve.

*

e jesus tornou a dizer:

molhai os delírios do hipocampo.

sede íntimos do acaso
& seus arquivos de uivos.
era alma e lama:
achava a tesoura
enferrujada um tesouro.

 virou espécie de juiz
traficando banhos de língua
do leopardo e serviços
de acupuntura com besouro.
aqui no janga não discutimos
metafísica. estamos mais tranquilos,
estamos mais espertos.

providência, por exemplo.

providência é o apelido
do mago que sempre traz
pronto um fininho e o isqueiro.
minha vó nasceu na bulgária.
a bulgária não existe.
eu sou uma canção do nirvana.

 estas foram as únicas frases
que consegui ensinar ao aristóteles,
um papagaio que aparece todas as tardes
no quintal da casa de murilo mendes
como a chuva na cidade de belém.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

os méritos do cinismo

ridiculamente tímidos e prudentes, isto que somos.
quando aprenderemos novamente a cuspir
nos rostos dos proprietários da terra?

há uma virtude restauradora nos oceanos de saliva,
uma graça infinita na aventura enlouquecida da sinceridade.

contra a hipnose do infinito, contra os freios da hipocrisia
contra os bocejos da sabedoria de palestra.

escolhemos desfilar nossa solidão em praça pública,
desafiamos a claridade barriguda dos militares.

quem escuta as respostas do lodo para questões místicas?
quem escuta nossa zombaria e latidos enquanto compra
cervejas quentes feitas de milho transgênico por bolivianos cansados?

a tarefa do poeta é bater punheta para gozar na cara
dos doutrinadores da alma & do corpo, exibir
a completa amargura e lavar os ossos
de nossa condição despojada.

"quem me dera que bastasse também
esfregar a barriga para não ter mais fome",
disse o cão celestial depois de ejacular.

condomínio de enfermos, prisioneiros da certeza,
haverá uma chuva de equívocos e sairemos bêbados
carregados pelos pontapés do nojo que o tempo nutre
de nossa miséria, nossa farsa: um rosto repugnante
que insistimos em transformar em senhor das moscas.
não fosse a escrita, na melhor das hipóteses
eu estaria parado na frente de um rinoceronte
fumando um fininho californiano encontrado
entre sapatos abandonados e hare krishnas.

 não fosse a escrita, na melhor das hipóteses
eu estaria o dia inteiro enfiando álcool e gasolina
nos tanques de combustível dos carros currados
por motoristas sem imaginação, depois do polimento.

não fosse a escrita, na melhor das hipóteses
eu ainda estaria trabalhando na televisão
ligando para delegacias à procura de prisões
e assassinatos interessantes para nossos abutres.

não fosse a escrita, na melhor das hipóteses
eu permaneceria eternamente vendendo cópias
dos desenhos dos cavaleiros do zodíaco
para crianças cegas, anões e ninjas aposentados.
outra carta, fim de mundo
você moeu meu coração de vidro,
eu saí de campo,
estou velho

 e já te disse que tudo
que eu consegui no garimpo
foi um grampo
de cabelo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

tão antigo quanto um sorriso
tão antigo quanto dentes quebrados
tão antigo quanto sangue pingando na terra
tão antigo quanto levar coice
tão antigo quanto empilhar pedras
tão antigo quanto fugir
tão antigo quanto roubar a carne da caça dos leões


nosso espanto e desespero.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

ainda estamos juntos

apesar de você praticar yoga com imigrantes vietnamitas
depois de molhar os pés nas águas do pacífico, enquanto
eu continuo catando moedas velhas nas areias sem fim
de uma praia fracassada lambida pelo atlântico -
tudo isso para entulhar a alma de ferrugem
e encher os bolsos com os avisos dos gansos.


apesar de você encontrar o táxi-chuvoso que te ilumina
e diz que todas las noches terminan en el malecón,
enquanto eu sigo enterrando chaves de fenda no fundo dos olhos
dos peixes abandonados debaixo da vaidade do sol, enquanto
eu permaneço escrevendo poemas para depósitos bancários,
poemas para trocar por lsd fajuto feito com listas telefônicas
e bastante cola branca, enquanto eu fico telefonando
para as alucinações, juntando as vísceras e os vícios
dos pardais devorados pelos banhos de soda cáustica.

apesar de você mergulhar com tubarões na polinésia
e descobrir as potências sexuais e curativas de moquecas
condimentadas com muito cravo, páprica e pimentas negras,
enquanto eu não paro de comer o pão que o diabo traz
de uma padaria tailandesa onde um anão viciado em pôquer
produz receitas tristes embalado por um tango lunático.

apesar de você amanhecer entre os dentes dos mímicos
desempregados da última turma da universidade de pequim,
enquanto eu anoiteço dentro da geladeira, ladeira abaixo,
enquanto eu anoto quase todas as frases que não me dizem
mas que eu escuto, enquanto eu estoco tristeza e feijão
debaixo das unhas - o suficiente para alimentar as canções
das baleias migrantes à procura de águas quentes.

ainda estamos juntos: somos vizinhos da enfermaria nº6.
ainda estamos juntos e jantamos os ossos da alegria e do tédio.
ainda estamos juntos e morreremos juntos e nossas juntas
serão colocadas na mesma caixa de ferro e lançadas ao mar.

 apesar de você saber assoviar, enquanto eu sei cuspir mais longe:
ainda estamos juntos e ficaremos bem velhinhos como ronnie & donnie.

grandelícia

as tristezas não sopram as retinas
cansadas da velha guerra
entre a febre
e o ouro.

à beira do abismo, uma sopa.
há uma cantoria dentro dos ossos,
há uma cantoria dentro dos nossos
dias mais esquisitos e espatifados
e espalhados pelo chão da cozinha.
na foda dos bonobos, na sinceridade
dos cinzeiros cheios de dentes,
nas bicicletas sorridentes e enferrujadas,
nas pilhas velhas, nas ilhas de cimento:
tédio, tesão
e um cheiro de caju impregnado no cu
das nove mil noites de cianureto.

sábado, 3 de janeiro de 2015

arte poética

incendiar noites e dias, a carne do mundo
lamber perambulando entre onças e pedras.
sorrir na companhia dos mendigos.

sujar as retinas, as botas, as beatas
foder. ao redor do umbigo,
cuspir.

amar a água, a égua, a águia e
comer os caminhos abertos da invisibilidade.
repartir as vísceras, próprias e alheias, entre chacais,
tanques de combustível e soluços.

voar no céu da boca, vadiar debaixo dos monturos.
perder os dentes, os dedos, poder povoar a solidão.

provocar brigas, dançar forró com garis nas madrugadas,
digerir didgeridoos, apaziguar as mortes azuis.
nascemos eu e minha morte
no azul do mesmo sopro:
pedra que o vento come,
terra cuspindo cada osso.