sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

você recebe o poema pelas pernas
e então corre feito uma criança
picada por vespas amarelas

 você recebe o poema pelas unhas
e então descasca as camadas
antigas de tinta sobre as pupilas


você recebe o poema pelas pálpebras,
pelas nádegas, pelas sobrancelhas,
pelas narinas, pelas virilhas, medula

você recebe o poema pela testa,
mandíbulas, o poema fura tuas bochechas,
faz tremer as tuas coxas (como numa foda)

você recebe o poema e ele quebra tuas costelas
e coloca na tua garganta as vozes das capivaras
que não escaparam de nossa sede de sangue & carne

você recebe o poema: purple haze, bike, avatar:
o poema abre tua boca, o poema deita em tua língua.
e disse jesus:

é preciso ter o caos
dentro de si.

é preciso ter caô.

impreciso é o coice
se estamos todos
dentro do sim, do cio
docinho que tudo envolve.

*

e jesus tornou a dizer:

molhai os delírios do hipocampo.

sede íntimos do acaso
& seus arquivos de uivos.
era alma e lama:
achava a tesoura
enferrujada um tesouro.

 virou espécie de juiz
traficando banhos de língua
do leopardo e serviços
de acupuntura com besouro.
aqui no janga não discutimos
metafísica. estamos mais tranquilos,
estamos mais espertos.

providência, por exemplo.

providência é o apelido
do mago que sempre traz
pronto um fininho e o isqueiro.
minha vó nasceu na bulgária.
a bulgária não existe.
eu sou uma canção do nirvana.

 estas foram as únicas frases
que consegui ensinar ao aristóteles,
um papagaio que aparece todas as tardes
no quintal da casa de murilo mendes
como a chuva na cidade de belém.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

os méritos do cinismo

ridiculamente tímidos e prudentes, isto que somos.
quando aprenderemos novamente a cuspir
nos rostos dos proprietários da terra?

há uma virtude restauradora nos oceanos de saliva,
uma graça infinita na aventura enlouquecida da sinceridade.

contra a hipnose do infinito, contra os freios da hipocrisia
contra os bocejos da sabedoria de palestra.

escolhemos desfilar nossa solidão em praça pública,
desafiamos a claridade barriguda dos militares.

quem escuta as respostas do lodo para questões místicas?
quem escuta nossa zombaria e latidos enquanto compra
cervejas quentes feitas de milho transgênico por bolivianos cansados?

a tarefa do poeta é bater punheta para gozar na cara
dos doutrinadores da alma & do corpo, exibir
a completa amargura e lavar os ossos
de nossa condição despojada.

"quem me dera que bastasse também
esfregar a barriga para não ter mais fome",
disse o cão celestial depois de ejacular.

condomínio de enfermos, prisioneiros da certeza,
haverá uma chuva de equívocos e sairemos bêbados
carregados pelos pontapés do nojo que o tempo nutre
de nossa miséria, nossa farsa: um rosto repugnante
que insistimos em transformar em senhor das moscas.
não fosse a escrita, na melhor das hipóteses
eu estaria parado na frente de um rinoceronte
fumando um fininho californiano encontrado
entre sapatos abandonados e hare krishnas.

 não fosse a escrita, na melhor das hipóteses
eu estaria o dia inteiro enfiando álcool e gasolina
nos tanques de combustível dos carros currados
por motoristas sem imaginação, depois do polimento.

não fosse a escrita, na melhor das hipóteses
eu ainda estaria trabalhando na televisão
ligando para delegacias à procura de prisões
e assassinatos interessantes para nossos abutres.

não fosse a escrita, na melhor das hipóteses
eu permaneceria eternamente vendendo cópias
dos desenhos dos cavaleiros do zodíaco
para crianças cegas, anões e ninjas aposentados.
outra carta, fim de mundo
você moeu meu coração de vidro,
eu saí de campo,
estou velho

 e já te disse que tudo
que eu consegui no garimpo
foi um grampo
de cabelo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

tão antigo quanto um sorriso
tão antigo quanto dentes quebrados
tão antigo quanto sangue pingando na terra
tão antigo quanto levar coice
tão antigo quanto empilhar pedras
tão antigo quanto fugir
tão antigo quanto roubar a carne da caça dos leões


nosso espanto e desespero.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

ainda estamos juntos

apesar de você praticar yoga com imigrantes vietnamitas
depois de molhar os pés nas águas do pacífico, enquanto
eu continuo catando moedas velhas nas areias sem fim
de uma praia fracassada lambida pelo atlântico -
tudo isso para entulhar a alma de ferrugem
e encher os bolsos com os avisos dos gansos.


apesar de você encontrar o táxi-chuvoso que te ilumina
e diz que todas las noches terminan en el malecón,
enquanto eu sigo enterrando chaves de fenda no fundo dos olhos
dos peixes abandonados debaixo da vaidade do sol, enquanto
eu permaneço escrevendo poemas para depósitos bancários,
poemas para trocar por lsd fajuto feito com listas telefônicas
e bastante cola branca, enquanto eu fico telefonando
para as alucinações, juntando as vísceras e os vícios
dos pardais devorados pelos banhos de soda cáustica.

apesar de você mergulhar com tubarões na polinésia
e descobrir as potências sexuais e curativas de moquecas
condimentadas com muito cravo, páprica e pimentas negras,
enquanto eu não paro de comer o pão que o diabo traz
de uma padaria tailandesa onde um anão viciado em pôquer
produz receitas tristes embalado por um tango lunático.

apesar de você amanhecer entre os dentes dos mímicos
desempregados da última turma da universidade de pequim,
enquanto eu anoiteço dentro da geladeira, ladeira abaixo,
enquanto eu anoto quase todas as frases que não me dizem
mas que eu escuto, enquanto eu estoco tristeza e feijão
debaixo das unhas - o suficiente para alimentar as canções
das baleias migrantes à procura de águas quentes.

ainda estamos juntos: somos vizinhos da enfermaria nº6.
ainda estamos juntos e jantamos os ossos da alegria e do tédio.
ainda estamos juntos e morreremos juntos e nossas juntas
serão colocadas na mesma caixa de ferro e lançadas ao mar.

 apesar de você saber assoviar, enquanto eu sei cuspir mais longe:
ainda estamos juntos e ficaremos bem velhinhos como ronnie & donnie.

grandelícia

as tristezas não sopram as retinas
cansadas da velha guerra
entre a febre
e o ouro.

à beira do abismo, uma sopa.
há uma cantoria dentro dos ossos,
há uma cantoria dentro dos nossos
dias mais esquisitos e espatifados
e espalhados pelo chão da cozinha.
na foda dos bonobos, na sinceridade
dos cinzeiros cheios de dentes,
nas bicicletas sorridentes e enferrujadas,
nas pilhas velhas, nas ilhas de cimento:
tédio, tesão
e um cheiro de caju impregnado no cu
das nove mil noites de cianureto.

sábado, 3 de janeiro de 2015

arte poética

incendiar noites e dias, a carne do mundo
lamber perambulando entre onças e pedras.
sorrir na companhia dos mendigos.

sujar as retinas, as botas, as beatas
foder. ao redor do umbigo,
cuspir.

amar a água, a égua, a águia e
comer os caminhos abertos da invisibilidade.
repartir as vísceras, próprias e alheias, entre chacais,
tanques de combustível e soluços.

voar no céu da boca, vadiar debaixo dos monturos.
perder os dentes, os dedos, poder povoar a solidão.

provocar brigas, dançar forró com garis nas madrugadas,
digerir didgeridoos, apaziguar as mortes azuis.
nascemos eu e minha morte
no azul do mesmo sopro:
pedra que o vento come,
terra cuspindo cada osso.