segunda-feira, 27 de abril de 2015

tom zé do caixão

você, vocêê, todos vocêêês,
filhos da máquina, na entranha
gasolina e outras almas roubadas
na meia-noite de uma multinacional

jorge de lima da pérsia

a lua vem da ásia, gigante
panfletário do caos e você
me traz carregamentos de
laranjas sanguíneas. a sede
começa no cheiro da casca
que se espalha e impregna
meus dias, meus dedos e
a cachaça, minha carcaça.
o sol pesando nos ombros e eu já tinha tomado uns quatro copos de cerveja que murilo trouxe, uma cerva artesanal chamada "samurai cego". falei pra ele que a primeira coisa que me vinha a mente com esse lance de samurai era que eu não passava dois minutos jogando samurai shodown no playtime aqui perto de casa que aparecia um prego qualquer pra colocar contra e me tirar da máquina, com algumas malícias de galford, hanzo ou haohmaru. eu não sabia jogar muita coisa com nenhum deles e gostava do naipe do kyoshiro - lembrando dessa conversa dias depois eu notei pela primeira vez que o kyoshiro é um ator de kabuki. daí eu partia pra o arcade de real bout fatal fury e lá ninguém me incomodava, quem colocava contra zarpava por conta do taekwondo que aprendi com kim kaphwan. murilo, cortando a lombra, disse que está tudo integrado: o gari japonês que vive com uma real doll é primo da menina que se fantasia de sereia no interior de minas gerais. Eu ri com a associação. a memória é sempre uma chuva inesperada, tudo é pólvora e fogo, gatilho. murilo perguntou se eu já tinha lido proust. eu disse que não tinha lido nem o prost e não gostava do joguinho de super nitendo do nigel mansell. a idiotice é uma fruta muito doce. proust é um cara que escreveu sobre como o biscoito treloso nos faz lembrar os dias de surf em 1990, disparou murilo. fiquei sem saber o que responder e nessa hora caíram duas mangas no quintal, foi jah. comendo as mangas, acho que entendi a ideia do biscoito treloso. lembrei que dia desses tava tocando just like the wind, do tony garcia, na carrocinha do tio que vende caldo de cana e pão doce aqui na esquina. de repente, sem mais nem menos, eu era novamente um pirralho dançando como um robô desajeitado nas noites de rádio na varanda do térreo do prédio de alessandro pacovan, a rua logo ali. daí bateu saudade de entrar na fila da merenda da escola várias vezes, torcendo o rosto pra um lado e outro, pra baixo, mancando e feito o seu boneco "dis costa" para catar uns quatro ou cinco saquinhos de cilpinho de chocolate com pão doce.

sábado, 11 de abril de 2015

dizemos água e continuamos
com sede, o banho de chuva
ácida não lava nossa alma
mas expõe todos os ossos

 há um enigma cabisbaixo
surfando em nossas lágrimas
há um milagre moribundo
impregnando nosso suor

nossas salivas não salvam
os oceanos de merda e plástico
tartarugas morrem todos os dias
sufocadas no horror de nosso sangue

não há líquido amniótico suficiente
para proteger os nascimentos dos rios
e não adianta andar sobre as águas
ou então transformá-las em vinho

enquanto não renovamos a seiva
de nossa medula mergulhando
plenamente na lama e no lodo, diluindo
nosso egos nas águas subterrâneas

dizemos água e continuamos
uns animais cheios de esquiva
esquecendo nossa origem aquática
e uma ética molhada para estes dias
o menino jesus queria
ser bombeiro, disse
terezinha maria de jesus,
mãe do menino jesus.

foi baleado na porta de casa,
o menino eduardo de jesus ferreira,
lá no complexo do alemão.

foi a polícia: "houve um confronto
e um menor foi baleado".

fomos nós mesmos que crucificamos o menino jesus
bem antes dos trinta e três anos.

na tv, segue o feriadão da semana santa.
uns comem peixe, outros tomam cerveja.

e o menino jesus não voltará como bombeiro
para nos salvar deste incêndio.
quanto a isto, não há segredos:
meus dedos massageiam
teus pés e existem cafunés
para todos os tipos de cabelos.
e você sabe que
não há nada
que me acalma
mais que lamber
o chá de camomila
que derramo sobre
teus doces mamilos.