domingo, 21 de fevereiro de 2016

ainda tenho comigo
rãs escrevendo
na água

agorinha mesmo
eu vi
rãs escrevendo
na água


rãs
não postam no facebook
não sobem vídeo pro youtube
o que escrevem
na água

respiro meus poemas
ao respirar os poemas das rãs
debaixo da água
aqui sozinho sou mais
velho que esta chuva
perdi todos os dentes
da alegria nem lembro
como escrevi as rugas

coberto de terra e cinzas
babando de ódio e preguiça
da humanidade já fui antes
um animal com a cabeça
sem piolhos e pensamentos
ranzinzas
Pernambuco, vasta fazenda
se eu me chamasse João Campos
não seria uma rima, mas teria muita renda

Pernambuco, vasta fazenda
o espírito do coronel já virou lenda
e eu continuo desempregado
levando uma vida de gado


Pernambuco, vasta fazenda
todos os animais são iguais
mas alguns são mais iguais
que os outros, riem os porcos

Pernambuco, vasta fazenda
tem gabinete e covil para um
estudante de engenharia civil
continuar no poder do atraso

Pernambuco, vasta fazenda
já é tempo de incendiar
o ócio do palácio e espalhar
as cinzas pelos campos

Pernambuco, vasta fazenda
mais vasta é a rebelião
e o coice, a foice
do vento

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

camarada cheirou loló vegano
ficou ouvindo as sirenes
da vida crua
se transformarem no chiado
de um espetinho de frango com bacon
hoje pela manhã um mendigo me salvou
com algumas baforadas e brasas
enquanto me dizia que
o gato é uma gota
de tigre

e que não há nada a pedir às deusas

nem desodorante, nem pizza
nem teto, nem saúde, nem dentes
nem viagens de ácido, nem travesseiros
projetados pela Nasa, nem pernas mecânicas
nem pastilhas para refrescar o hálito, nem pão

basta deixar os pés na poeira e fazer
a travessia

como um sabonete despreocupado com seu fim
deixando tudo cheiroso
she called pest control. não faz outra coisa senão ouvir
fIREHOSE - walking the cow no repeat, fumando cannabis
& enfiando o dedo na buceta, imaginando a vida das vacas
indo daqui pra lá, zanzando no campo
como belugas de férias
vestidas com camisas floridas
bebendo caipirinhas
e fodendo leitões nas rodoviárias
e bocas de fumo


as vacas mascando generosos montões de erva verde
comendo poeira e cachaça
não esqueço a carcaça
que arrasta mangas
pela sombra

na ladeira e doidas, as pernas
na alegria e coices, os sonhos

o que é a vida senão um vapor
barato de carnaval, cabelo
branco do recém
nascido
as conversas os amores
com suas delícias
ainda escapam
às tecnologias?
agora mesmo, augusto, é só isto:
a mão que afoga é a mesma que apedreja
dia e noite se encontram no amor? como não alimentar a ansiedade se ela é um bicho que come de tudo, até lixo? talvez encontrando por acaso os cantos órficos de dino campana num shopping, talvez virando fumaça na tarde de mormaço, talvez exercitando as noventa e nove maneiras de ficar em silêncio, talvez costurando no peito as palavras de calma da água. há moedas de dez centavos observando as chuvas, há um rádio de pilha sintonizado numa transmissão de futebol de cegos, há fantasmas balançando na rede. aí batem na porta testemunhas de jeová. é a segunda vez que aparecem este mês e virão novamente. fiz com que a conversa girasse sobre alienígenas, poesia e o planeta terra. eu não sei de muita coisa, mas desconfio que é suficiente tomar cerveja em boa companhia para que o mundo continue rodopiando. e logo dobraremos as esquinas em que um abraço apaga as perguntas. e será carnaval e nossas bocas tocarão asas vivas.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

não conheço poeta
mais talentoso no exercício
de alteridade, invenção
e vida dupla

que oscar maroni

ele coloca um óculos escuro, cata uma bengala
e sai do bahamas hotel club para lamber os pés
de gorilas e garis e açougueiros e dos motoboys
com cicatrizes nos tornozelos e aí ficar fungando
as frieiras, o chulé, mordiscando os bichos de pé
que andarão entre linhas de seus próximos sonetos

velhinho porreta animal com a língua
numa xota numa glande em qualquer cu
encontrando a zona de sombra entre
o que fede e o que é sublime e cheiroso

como glauco mattoso
nada disto estaria
acontecendo se
eu fosse, ao menos hoje,
grigori rasputin ou mc
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